POESIA ON-LINE #14 por Celino Deira

POESIA ERÓTICA#14

By Celino Deira

arts.montero@gmail,com

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Brasileiras,

sois as pegas na esquina da rua universal!

 

Descendentes das Índias mudas

que Portugal violou outroras, no meio do mato,

sois a nossa maior invenção e dádiva ao mundo,

o que melhor ele colhe do horto que tratamos;

o nosso presente ou rinoceronte da comitiva papal,

as ricas colchas, toalhas e fios de ouro do Minho,

com quem hoje se diverte

em carnavais de carne licenciosa;

 

e nós, cabisbaixos, observando tudo isso

ocultos sob a sombra de um pesado balcão.

 

*

 

À saída do aposento

dirigindo-se à receção a preparar o pagamento

O cliente elogia a meretriz e a sua amorosa casa

e competência da pega que o assistiu

pela dedicação e paixão que empregou

no auge do amor

 

como lhe escancarou a alma,

e debitou copiosamente de si

em poderoso jacto invertido,

uma súbita torrente de vazio que irrompesse

abrisse violentamente, de par em par,

 

a amorosa janela da alma

 

*

 

Como a passo não alcançasse o ónibus pretendido,

uma mulher descia esbaforida a calçada

sem governar decentemente os seios

que lhe balançavam em forte espalhafato formal.

 

Maças de carne arremessados contra a beleza,

catapultados em todas as direções

como círios provisoriamente fora das órbitas,

 

quilos de carne cega e formal que a socavam,

que esbofeteados e estrábicos ocupavam inéditas posições,

mais apropriadas a uma sessão de sexo em prostíbulo

 

desenfreado e louco.

 

*


Chove em mim como no dia

minha mente é cinzenta e londrina

e uma capa de neblina me afugenta

do mundo como uma praia vazia

 

sou a praia de que apagaram o sol

e uma tempestade descoloriu de banhistas

felizes e estridentes

 

resto morno e abstrato

humano rochedo imóvel e estático

arriba sentinela que de fora da vida vigia

e cerca a praia como tela onde a verões

a vida perpassa e decorre

 

*

 

O ser habita o tempo;

diante do passado como quem urge,

e atrelado ao futuro - conjunto de carroça mais boi.

 

Carro repleta de objectos usados,

que perco por incúria ou rejeito intencionalmente,

e outros que adquiro durante a viagem;

 

e o tempo que tenho à minha frente

é o espaço que ainda me falta percorrer

parar chegar a um fim previsto e ignóreo.

 

À chegada, os objectos que possuir,

serão aqueles que levarei para o túmulo.

 

*

 

Altivo, sopeguei meu pesado e farto chaveiro                                                           

e de corpo largo e alma branda procurei.

Entretanto, a par dedilhei o forte e activo isqueiro, apartei-o,

e enquanto a chave não achei, acendi um cigarro e fumei-o.

 

A chave de teu corpo a tilintar branca entre tantas outras;

sou, experiente, o mestre que se lança ao mar nos baitéis;

mas pesca de ouro é essa que a nado se faz das ostras,

que vós regalados e satisfeitos à comprida mesa comereis.

 

Antes de partir há a içar branca a vela

e levantar negras as âncoras aos baitéis,

e depois de achada a chave se abre a cela

onde vós mitigados, lá presos, lá morreis.

 

*


A bela mulher que em recatada hora

Na muda de roupa inadvertidamente

se desnudou ao petiz;

 

aquela cuja beleza não trancou devidamente

e permitiu que de porta entreaberta

se vislumbrassem traços de nudez

e um garoto inesperadamente espreitasse

e a mente experimentasse e surpreendesse o escandalo

 

causou-lhe, sabe-se agora, a demência precoce

um desvario e cegueira da alma

que doou à cidade o mais recente

e amoroso vagabundo

 

*

 

A vida cumpre-se entre nossos seres,

propriamente, no denso espaço que os une.

Nenhuma gota existencial se perde,

nem a cauda do cão perpassa fora da última cortina.

 

É uma vida intensa

como as vidas consumadas entre dois corpos

e por o espaço ser uma caixa que navega sobre o tempo,

se pode dizer também acerca da vida,

ser a barca que, em sua hora,

embaterá nas gastas e húmidas paredes do cais

até apodrecer das inúmeras viagens feitas ao longo de, 

                         

longo o tempo.

 

*

 

A mulher troca de amante

como eu de fornecedor de papel

porque, certamente, se revela proveitoso,

a mim como poeta

e à mulher como mulher,

possuirmos um fornecedor diferente.

 

Eu, ultimamente, abasteço-me na papelaria da menina Rosa

como se ela progressivamente me viesse constituindo seu cliente

à revelia do meu entendimento

E um amante é isso: 

 

é alguém que discretamente nos concede

um especial desconto.

 

*

 

A vida é prisão.   

 

Habitamos a mansão da existência.

 

Se olhamos em redor,

deparamos apenas com realidade e vida em nosso entorno,

porcelanas visuais que, dificilmente, poderemos ignorar.

 

Mas faça-se esta pergunta:

poderia abrir-se uma estreita passagem,

através da histórica realidade que nos envolve,

e arejarmos, mentalmente, a vida

 

em que sufocamos de existidos?

 

*

 

Meu ser existe, como por acaso.      

Vai existindo como quem pernoita sem a estadia paga.

 

Mas, se me cobram a diária remeto-os a que alguém?

-«Existir é não ter fiador, é sermo-lo nós também.

É passear-se pelos corredores dos Edifícios Públicos

e ser interpelado por ninguém!»

 

Mas, se e a polícia aparecer...?

-«Que declare a falência de si mesmo

ou fuja com o que não tem.

 

Existir é ser apanhado em flagrante viver

e ter o pensamento como único bem.»

 

*

 

O rio tem a força que tu em si não tens.

 

Ele move-se pelo desejo alheio de encontrar uma foz,

como para arrivar;

enquanto os teus passos possuem a leveza de quem,

por hoje e sempre, vagueia por existir;

 

liberto, sob o peso de uma obrigação a cumprir,

- caminho a seguir -, excepto ser;

 

e vai ,descansadamente, domingo de manhã até ao porto

ler o jornal e ver passar o rio como um rebanho,

 

não batido por seu pastor.

 

*


O vento corria enérgico,

A casa abria-se desgastada;

No escuro desértico a areia planava,

O ambiente era americano, quase épico.

 

Na noite cabelos ao vento, rabo içado,

a menina despe-se sobre o tabuado.

 

As tábuas rangem, o fino luar penetra-a, corta-a.

Mas, que brilha na noite,

que se avista no céu, para lá das sombras do listado?

Uma luz, um candelabro?

 

Não, é o anel que possui a menina em seu rabo.

 

*

 

Os brasões que te ornamentam os seios

não revelam a tua origem;

antes são medalhões,

botões de rosa em flor,

bucais carnais que para mim são a dor

de nunca teu leite ter bebido, amor;

 

de permanecer só, prostrado desta vertigem

de te ver sem te ver,

de te sentir na origem

que constitui a aragem de todo o meu ser,

que é ver, apenas ver,

 

e o restante ser fuligem.

 

*

 

Quanto marcará hoje o nível de beleza das mulheres diárias?        

Que maré de desejo faz subir ou descer a saia

como mercúrio em vidro regulado da existência?

 

Quanto valerá no almanaque da vida o decote médio,

medido em escala sensual, que ao casco do ser e olhar

elas, diariamente, nos arremetem?

 

Quais pescadores, carecemos bem de o saber,

como está o feminino desejo;

espreitá-lo de madrugada, por detrás do postigo,

antes de, definitivamente, sairmos para a amorosa faina

 

pela madrugada de existir.

 

*

 

As mulheres literatas também possuem seios

como as restantes.

 

Hoje, as mulheres literatas são apenas as nossas amantes ocasionais.

Já não fazemos sala com essas mulheres;

 

quais pegas conduzimo-las directamente a uma cama

e as gozamos, maquinalmente, entre as coxas e seios,

como a uma vulgar esposa submissa.

 

Da mulher literata procuro unicamente o sexo.

Da mulher comum pretendo extrair, claramente,

 

uma eloquente filosofia de rua.

 

*

 

Preciso, urgentemente, de beleza feminina

e suas cavidades carnais

para bem guardar todo este sémen que em mim se precipita,

por haver sofrido uma visão de mulher;

qual amorosa bofetada

 

como se ela, propriamente,

o tivesse concebido e destilado em mim.

por suas delgadas e laboriosas mãos,

quais pinças que manipulam pós,

alquímicas carnes e formas que trabalham agora na minha mente,

pois sinto-o remexer, tão claramente,

como passos em chão outonal

de folhas secas.

 

 

 

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