POESIA ERÓTICA PORTUGUESA #15+ por Celino Deira

POESIA ERÓTICA#15+

By Celino Deira

arts.montero@gmail,com

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É uma honra para as freiras, Madres e noviças

receberem em casto convento, sob reclusão,

tão eméritas damas e devassas;

heroínas da beleza e foda,

 

tão violadas e molestadas durante décadas de perfídia

por vorazes salteadores do desejo;

como adestradas pegas da aristocracia e salão;

 

surpreendidas por esposos a embriagarem-se de falo alheio

Denunciadas por mancebia até com o negro lacaio;

ei-las condenadas ao amoroso desterro

 

de corpos e mentes tão friccionados a falo

de carnes e formas tão percorridas e consumidas

 

como as pedras gastas desse convento.

 

*

 

A cidade, o que é?

Janelas entreabertas

e homens de cabeças cortadas por parapeitos,

balançando-se, freneticamente, sobre mulheres horizontais,

no escuro de quartos iluminados.

 

A cidade, o que oferece?

Um homem abandonando a taberna

quando, instantemente, desce a calçada

uma mulher excessivamente bela para não ser desejada.

 

A cidade, o que narra?

Quartos com janela recortada

onde o homem e a mulher se encontram

para esclarecerem uma dúvida amorosa que aos seres ocorreu.

 

*


Vem até lá, a casa!

 

Tomamos um copo, fornicamos um pouco

e depois podes-te retirar.

Vendo bem, não precisamos de concluir o acto

se é isso que te enoja,

se é ejacular como um animal que queres evitar,

como se à mesa um pedaço de comida caísse sobre o vestido

e o consporcasse

ou ao saíres à rua começasse de repente a chover

e fosses apanhada desprevenida

sem guarda-chuva.

 

Por isso paramos a meio, pronto!

e depois vamos fazer qualquer outra coisa

como ler um livro, por exemplo;

mas peço-te, por favor, vem daí até lá a casa

que aqui estacados, especados a meio da rua

é que não fazemos nada;

e só estamos a obstruir o caminho de quem passa

e vai para suas casas ou empregos

lidar um tanto, beber uns copos ou

fornicar um pouco!

 

*

 

Por um incrível e acaso fortuito

tive oportunidade de copular uma bela vizinha

cujo esposo viajou e cuja porta do apartamento

se fechou languida e hesitantemente,

não bateu rapida e vigorosamente à minha despedida

depois de depositar e entregar-lhe o saco de compras

que cordialmente me ofereci para transportar   

 

é uma dama que amorosamente sigo há muito

há anos que vigio e aposto em sua beleza e formas

e estou feliz por isto se ter dado    

como se esta cópula e imprevista jogada

representasse uma cautela premiada

 

da lotaria do amor.

 

*

 

O amor nasceu quando, certa ocasião,

a mulher necessitou urgentemente

de um objecto fálico para se gozar intimamente e,

na falta, um macho que estava presente

educadamente se ofereceu

para executar tão útil e devasso acto na mulher;

 

que apreciaram

e logo relataram a amigos a insólita adaptação

que, por sua vez, sugeriram a amorosa acrobacia

a outras tantas famílias,

que a colocaram em prática e assim,

sucessivamente se propagou ao longo de séculos e gerações

como pratica e fé, um gasto ritual, universalmente repetido

na perversidade dos lares.

 

*

 

A mulher actua.

 

Mostra-se o anjo,

dá-se-nos discreta e serena,

a predita;

 

mas possui as melhores pernas do bairro,

pernas excessivas de forma e torneadas

como balaústres de um clássico balcão.

 

Veste roupa justa

nas coxas e seios;

e copula melhor do que a criada,

 

negra e devassa sobre o estrado.

 

*

 

Algo em ti me falta;

parece que sentes um vazio de mim;

parece que estás ausente de uma parte

que veio, involuntariamente, parar em mim;

 

e que sou eu e os outros quem a possui;

pelo modo como nos olhamos, tão intensamente;

parece que temos essa parte,

 

e por demais actos que pratiquemos

em grandes exemplos de moralidade cívica,

tentando restituir-te o que nos é alheio,

não poderemos mais do que emprestar-ta, temporariamente,

até, mais tarde,

tudo recomeçar ,

 

novamente…

 

*

 

O vento corria enérgico,

A casa abria-se desgastada;

No escuro desértico a areia planava,

O ambiente era americano, quase épico.

 

Na noite cabelos ao vento, rabo içado,

a menina despe-se sobre o tabuado.

 

As tábuas rangem, o fino luar penetra-a, corta-a.

Mas, que brilha na noite,

que se avista no céu, para lá das sombras do listado?

Uma luz, um candelabro?

 

Não, é o anel que possui a menina em seu rabo.

 

*

 

O sangue escorria baço pelo seu corpo abaixo

- macio e pálido

haviam-lhe cortado os seios, sórdidos e macios

e furado as nádegas aduncas –

madrigais e colossais

e riscado o ventre e aberto o vão - os infiéis.

 

Não passa por mim tudo o que de melhor há.

As pretas naus já não navegam sobre lo mar,

mas apodrecem vagarosamente no cais,

diariamente carcomidas por pretos corvos

como um eterno repasto.

 

As moles sacas de rações já se vislumbram amontoadas nos rotos porões esventrados,

onde se passeia descalço um jovem marinheiro desocupado,

como cão vadio procurando vida em lixeira.

 

Boa, boa é vida de capitão.

Na caserna do bote, de bússola na mão,

esperam ordens de um Rei futuro

para uma nova missão.

 

Enquanto isso, jogam as cartas;

ganham na passada uma Dama pretendida,

perdem de seguida um Rei na jogada.

 

*

 

A cona divaga, vaga como um esboço.

Vaga, a cona é divaga.

 

Traço grosso, borrão preto,

aguarela a carvão,

iriscência de pêlos num dorso.

 

A mão do pintor arremanha e debate,

pontua. Rápida se emaranha e estua.

 

A dita já transpira e arfa, tem gosto.

Pede água por um copo,

chora horas de esforço

e lança olhares em demanda de carne.

 

Meiga a domada assiste,

o papel se amarrota

a tela se esborrata,

assimétrica subsiste;

 

os olhos se enevoam e reviram;

o ser hipnótico descai;

ela insiste;

não há tento,

não há par,

 

tudo se esvai.

 

*

 

Teu sorriso, - aberto;

teu corpo - um manto selecto em noite de sexo;

 

teu cabelo vão

uma deleve mão de acariciar meu ser funesto.

 

E se a boca o diz,

o que ela diz, ornada de palavras

pelos róseos lábios e mente o li,

que por ouvidos.

 

Apraz-me teu riso gravado na carne,

pedras onde teus lábios

levarei a colar aos meus,

 

guiando o meu intuito uma ágil lembrança,

 

um obsceno gosto de infância por estradas largas

 

*

 

Amor é levantar a saia,

É minerar por mão ou mente

esse mítico espaço interior;

é despojar a mulher de vestes

e lançar por terra sua íntima roupa branca;

é lançar um sumptuoso olhar

para um perigo desconhecido, talvez maior,

que não é dor,

será calor?

 

É um ansioso silêncio

para melhor se escutar a cor do amor,

é erguer deitado,

tomar alheio nas mãos silencioso arfar

de um corpo feminino que prostrado, ao nosso lado se veio deitar

e que, mentalmente,

 

é inocente de sua beleza.

 

*

 

Os seios maduros de senhoria

balanceavam galantemente,

espalhafatosos, escandalosos,

brilhavam cadentes,

militantes escabrosos

resplandeciam cortesmente

aos raios enviados do sol, cantantes;

 

que torneavam a grande senhora,

que a roçavam, que a afagavam,

que mais a beijavam e espicaçavam,

a rolavam, reviravam,

que finalmente descobriam

a entrada que desejavam,

o orifício que pretendiam,

o abrigo que procuravam;

 

por onde imediatamente entravam

iluminando a tumba escura e fria,

na certeza, de que encontrariam

o que realmente encontraram -

 

uma gruta que vasculharam

desde o alvorecer do dia

à procura da frescura que lhes faltava

na vital fonte de que proviam.

 

E ela em ais de pára-pára,

tentava pôr cobro à invasão,

mas com o calor mais o orifício se dilatara,

com o tempo mais o gosto aumentara

acabando, enfim, por retirar a mão

com que antes em vão tentara

tapar a ousada entrada

 

em seu poço saguão.

 

*

 

Teus dois lábios inchados

ou os baixos correspondentes

não os vi eu ainda

ou em alguma outra parte;

mas acredito, sim,

nos frutos que da terra são nascidos,

vermelhos pomos cujos aromas o ar inflamam

e incomodam, mentalmente,

como se em redor

zunisse permanente um enxame de abelhas.

 

Sentes pudor por a mente de tantos homens

haveres polinizado,

o que, moralmente, te perturba .

 

Sentes dó, enfim, de todos os pobres seres

que sob o jugo mental das tuas carnes vergam.

 

*

 

Não, que ideia, nada disso!

Pelo contrário!

 

O sexo deverá ser praticado vigorosamente.

Caso contrário, não produziria efeito,

nem seria verdadeiramente sexo.

 

Apenas assim obteremos os melhores resultados,

pois não há assassínios suaves,

ou carícias violentas e abruptas.

 

Não temas a desintegração da carne ,

ou a perda de graça

que a mente feminina é elástica,

filosoficamente amando.

 

Aquela que sofre é a mente, -

duramente fustigada, como pega

 

nos braços de um soldado.

 

*

 

Éguazinha militante,

aos dez anos infanta,

aos dez compassos andante,

infanta compassante.

 

Calcorreias os caminhos, calquirroante,

saltas as latadas, contente,

desbravas veredas e tapadas, corrente,

esmagas os espinhos, rejeitante,

derrubas muros e caminhos, jazente,

tombas penedos, cortas estradas, latente,

numa pressa delirante,

corrida estonteante

a concerto de estrépitos

que ressoava constante,

pelos cascos batidos,

no chão tornitoante

da areia da estrada;

 

cavalgada incessante

pelas vias da aldeia

onde se concentra, plebeia,

a aglomeração de vizinhos,

sucessão de caminhos

dos vossos passos, infante,-

irmão cuja empresa

o mando fracassou,

e na fuga apressada

pelas brenhas onde pernoitou,

como flor por passada,

uma aldeia germinou,-

 

e de tal arte foi o percurso,

que o traçado resultante

em urbana arte se tornou.

 

*

 

Femininas risíveis,

beldades pedantes,

meninas à chuva

correm passantes, correm visíveis,

chamadas à Núbia,

famintas brilhantes;

 

divididas ao meio, ofendidas no seio,

uma perna de permeio,

tornam visíveis

sua entrada canal,

galeria principal

do tronco espinela,

subterrânea escarcela;

túnel escuro, - viagem mais bela,-

caminho escuro à força de vela;

procura ao fundo

sua boca gamela,

touca mais bela

de lábios de estela

que rodeiam os mares

envoltos nos ares

em tons de mil cores

e dançam, metamorfoseando;

 

carnudos remates,

ensanguentados dislates,

gemidos risonhos

de púrpura pedantes,

- cova mais bela, liberdades de espela,-

de xúpura sudantes,

- toca as tílias nas salas de espera,-

a rupturas entantes,

ao som de trombetas

que em tornitoantes ressouos

estalam nos ares,

nossos tímpanos ardentes,

em tons de mil cores.

 

*

 

Vai triste e melancólico o velório da bela mulher.

Mais vazio, triste e melancólico que todos os outros velórios.

 

Apenas a ama e as criadas, 

provavelmente, o jardineiro, o padre

mais algumas íntimas amigas

caminham ao lado da preta urna,

que contém uma bela mulher loira,

mas morta.

 

Mais,

ninguém compareceu!

Os outros,

todos aqueles que a copularam em vida,

que em vida até invertida a copularam,

não comparecem agora no funeral,

 

nem invertidos comparecem!

 

*

 

- Tu, pronta, arqueada, em posição

vences um belo vão! - diz a criada.

 

- Eu, pronta, em compressão de carnes afogueada,

um fogaréu, no céu, na imensidão! - a menina diz.

 

- Não sejas por isso crispada.

No céu, a solidão, ò macerada! -

 

- Não sejas por isso caída, ò desterrada!

No chão, a compaixão -

 

- Sê sobre a noite deitada.

Na escuridão, a sublimação,

 

escravizada!

 

*

 

Os líricos aromas que me atraem

em deleitosas visões de amores campestres são:

soberbas sinfonias de mil cores,

sedosos colchões de amadas flores,

como se prenhe de dores teu ventre estivesse aberto.

 

Nesses píncaros de terra tão próxima e quente,

- vivas cinzas que as cavernas enchem,

vulcões dormindo cujo odor já sinto -,

é agora um jardim tua principal entranha.

 

E nessa cama de mel já me aconchego

buscando com a mão por entre as flores,

mas se demais profundo é meu intento,

mais brusco disso logo me arrependo.

 

Pois sob a capa da sinfonia dos odores

está vivaz um denso entranhado de silvas e arvoredos,

vivos espinhos que me prendem e rasgam a pele

e negros cabelos nos quais me enredo.

 

Ò deleitosa armadilha das mil cores,

ilusão fugaz de que me fiz quedo!

Uivo agora já de mil dores

prestes a entrar ledo no cavernal degredo.

 

Brusco já sinto o falaz ar quente e sulfuroso,

densas fórmulas que no ar se espraiem.

Tão lívido o teu conhecimento sobre o meu segredo,

tão fatais esses gases que me consomem.

 

*

 

Copulamos mentalmente as mulheres.

 

Pronunciamos cambalhotas de sexo

entre as palavras furtivas de uma entrevista

e desejamos a sua mente,

ali tão próxima.

 

Intermediamente, lançamos pensamentos agudos como fornicadelas.

 

Existimos a seu lado e observamos de soslaio o busto,

como um anel a brilhar,

ou um belo cruzamento de pernas

ornado a reflexo de joelhos polidos;

 

uma ideia cismamos,

e, emtretanto, se instala na nossa mente,

 

como um complexo conceito filosófico.

 

*

 

Provoco o corpo;

coloco-o, maliciosamente, em frente de uma mulher

e assim o deixo, imóvel, por algum tempo.

 

Ali estacionado torna-se cómico;

e por momentos, sinto-me incapaz de abafar um riso malandro

que insiste em me explodir na face,

mas em contusões de carne resisto,

não requebro e íntegro continuo sem ceder.

Em resumo:

não dou o primeiro passo em direcção ao feminino ser.

 

O corpo desespera,

interpela-me regularmente com a mente

como uma criança que ainda não sabe pedir,

porque solitário não pode avançar,

partir em direcção à mulher;

requer uma autorização superior

 

Esse era o seu desejo!

Cair sobre a deleitosa mulher!

Todavia, uma invisível trela prende o corpo ao ser,

como um cão que começa por cheirar as nádegas de uma cadela

e quando se prepara para as escalar e montar

 

um decisivo empuxão o arrasta novamente              

para junto do dono.

 

*


Diz-se da mulher que mata, cobardemente, pelas costas,

enquanto dormes.

 

Mas a mulher não mata, cobardemente, pelas costas

enquanto dormes,

porque ela não está, moralmente,

pensando no modo como mata,

se, cobardemente, ou o contrário,

porque esse é o seu modo de matar mais facilmente,

não pensando nele.

 

Como a besta mata e pronto!

Finca-te o gume, crava-te a lâmina

e se o faz é porque está certo

e tu deves aceitar a tua morte

 

como mais um capricho seu a satisfazer.

 

*

 

Pelo andamento ofegante de senhoria,

tomava-se evidente,

que se comprimiria constante

por cada passada dada, e contente,

o tesouro escondido entre enormes pedantes;

ou colossos.

 

Mas, inquirida sobre essa pesada mecânica,

a em causa Dona auditaria em sua defesa,

lacónica e fria:

 

- «Sem os beijos repetidos das nádegas untantes

os fluxos cessariam, de montante para jusante,

as válvulas secariam

e o relógio entorpecido mancante

jamais irrigaria o que tem a fazer:

 

este meu rico corpo semblante.»

 

*

 

Salazar,

Portugal é obra tua,

és tu o dono disto.

Se partimos em férias

restas por cá a velar.

 

Não se-nos roubem isto!

Não se-nos queime a terra!

Enquanto gozamos férias

está Portugal a secar.

 

Como um contra-Deus

peneiras o sol com um véu.

Quando retornamos de férias

temos Portugal no lugar.

 

Criaste isto para nosso gozo e bem.

Replicas: «- Não!».

És apenas alguém que ouviu e seguiu

o que lhe ia no coração.

 

*

 

Olhos verdes teus são esferas de jogar

de que eu espero um dia ocupar

os meus parcos tempos livres

ansioso, talvez, por alcançar

desses verdes teus olhos de tigre

um sorriso, uma faísca, um olhar

à noite, na penumbra, não importa, ao luar;

 

um raio no escuro que ao passar,

me recorde, um dia ao fitar

as vítreas esferas que rolam na calçada dos meninos a jogar,

que desses verdes teus olhos de tigre

recebera outrora, à noite, na penumbra brilhando ao luar, encantado,

o tal sorriso, a tal faísca, o tal olhar.

 

*

 

Qual é a fronte de uma mulher?

E a sua retaguarda?

 

Somos perturbados

logo que nos arremetem à mente

seu corpo desdobrável como um saco-cama,

de que ignoramos a face principal.

 

Não será esta, aliás, uma prova evidente

da obscenidade feminina?

 

Não será perturbadora a mancebia

observada entre a uniformidade deste ser

e a vida obscena que, nobremente, leva?

 

Como pensar uma mulher?

Que face tomaremos por superior,

 

como as esferas?

 

*

 

Todos, já bem o sabemos,

que teu corpo, se banhado por um sol

ou astro novo,

projecta frescas sombras e sonoras trevas

sobre as amigas pernas

e as lança sérias,

 

e teus seios sobre teu peito, também.

 

Todos, já bem sabemos isso,

que assim o é,

e que sempre assim será,

sempre que haja sol e luz

e que terra e matéria sempre hajam:

onde a luz e a sombra silenciosamente se estendem.

 

Todos, já bem sabemos isso,

muito mais

e ainda mais do que tudo isso.

Muito bem!

 

Mas o que não sabemos

é teu corpo,

como o primeiro desígnio;

 

o santo, calmo, fresco e sonoro abrigo

dum bom e belo corpo,

todas as manhãs que passam;

 

então porque o é,

e assim,

 

e teus seios sobre o teu peito, também?

 

*

 

Jovem corpo

que és doce

da várzea rua agitada,

a ganga roupa que te abraça

desperta nova a minha vontade.

 

Como rolha de cortiça

no gargalo de uma garrafa,

assim o teu corpo se estica

quando sobe uma escada,

ou, à vontade, se alarga

quando rápido um degrau desce.

 

De goma parece feito

ou um sintético material.

De força tua dama não carece,

pois a pressão que o corpo exerce

na azul roupa ornamental,

o maior fardo que houvesse

içaria no matagal;

 

qualquer bolha de ar aí padece,

restando apenas o que interesse

para a correcta percepção

de seu corpo mortal.

 

Se a película que o envolve

se rompe ou se apodrece,

tão rápido à vista nos oferece

como ao tacto desgostoso lhe apetece

esse espectáculo de bolo divinal;

 

e as pregas onde a luz se esconde

e liso o sol tropeça

ou as mansas superfícies

onde o astro desliza

e rápida a sombra desce,

a tenebrosa gruta - o bucal -,

lá em cima estável permanece,

 

escuras algas dançando ao vento interior

e estalactites densas nos oferece

 

esse espectáculo de título infernal.

 

*

  

Anunciaram na Rádio que a minha vizinha é um símbolo sexual.

 

O que fazer quando possuímos como vizinha

uma nova «sex symbol»?

Quando do outro lado de uma parede,

numa cama perpendicular à minha dorme,

em seu famoso corpo estirada, uma Rainha?

Quando a uma varanda contígua à nossa

se assoma, por vezes,

uma rapariga por todos tomada de bela,

uma rapariga que, ao existir, faz mossa.

 

O que é uma «sex symbol»?

Será um corpo feminino estampado de símbolos sexuais

ou uma mulher já copulada por todos os homens do bairro,

dentro de um raio de cinquenta metros?

 

Ou aquela de quem desviamos propositadamente o olhar,

e frustrar os desejos incessantes da mente que,

como uma impertinente criança,

 

não se cansa de no-la apontar?

 

*

  

Não quero, por enquanto, partilhar a vida com uma mulher bela,

que me perturbe a mente de sua excessiva beleza,

e me roube os preciosos momentos banais;

 

que me impeça de, à janela, face colada à fria vidraça,

olhar a chuva cair sobre a vida e estrada;

que nua e bela, me arraste à cama fumegante,

e eu, impotente para destruir esta gravidade que orbito em seu entorno

com vontade de lhe obedecer ao cio

 

Quero, por agora, mandar às urtigas uma beleza destas,

quero expulsar e remover a filosofia pesada da minha vida,

como quem está mentalmente enfastiado

 

e não lhe apetece tragar uma ideia forte.

 

*

 

Domingo passado fui à missa

à tua igreja particular,

de planta em cruz latina,

quase lá me faltou o ar.

 

Tão rápido me recompus

quanto mais penetrei;

na verdade, jamais supus

que a nave por onde entrei,

(língua apertada onde caminhei

como pastor entre penedos,

desbravando silvas e um riacho

pestilento que corria a meus pés)

estava infestada de poços,

um dos quais me acerquei.

 

Assomando-me na escuridão

a custo um curto grito de estudo lancei,

ecoou um tal estalido

que quase surdo fiquei.

 

Restabelecido da resposta

pelo óculo desci abaixo,

novamente estranhei o espaço

que se acercou de meus pés.

 

Duma cripto-câmara se tratava,

morto vasto espaço abobadado

semi-esfera, abaulado

onde surdamente se rezava.

 

Olhei depois em redor e o alto fitei,

o tal óculo por onde entrei,

feriu-me um tal clarão de luz

que quase cego fiquei.

 

Novamente restabelecido da resposta

e terminada a cerimónia

por capelas e corredores me lancei,

sentia-se perto umaroma a comida.

Inevitável, esfomeado fiquei.

 

Entretanto, ao lado,

em uma respiração sussurrante,

desviei-me à esquerda e espreitei.

Como um feto era um outro ser que dormia.

Logo decidi; não o acordarei.

 

Prossegui o caminho à procura de alimento.

Próximo por uns transparentes canais,

na carne das paredes

corria um liquido sangrento.

Ao longe, perto de umas densas tinas bolsais,

repousava um leite suculento.

 

Depressa me aproximei,

ágil e rápido corri, em criança me tornei.

Como imberbe amamentado pela mãe,

do interior dos próprios seios suguei.

 

Satisfeita a memória e o gosto

prossegui o caminho e curioso,

logo imediatamente, senti a meu lado

um bater vivo e certo de pancadas frutuoso.

 

Tudo estremecia e arfava

também agora a meu lado,

abri uma porta, ao acaso,

e incrivelmente não fui sugado

por uma torrente de ar que me varreria

e me depositaria prostrado.

 

Depois de tantas aventuras

só me resta terminar.

Ali, aquela escada a pique

a alguma saída deve ir dar.

 

Subi por uma passagem estreita

como se ao sótão quisesse ir,

mas eis que deparo com uma boca.

Só me resta desatar a rir.

 

Ver novamente a luz do dia,

agora tudo estava claro,

de um corpo de mulher se tratava

onde eu entrara de corpo inteiro.

 

De cócoras me coloquei,

pois já nos dentes tinha tropeçado.

Urgia começar por algum lado.

Foi assim que teus lábios beijei

(quando já tinha estado de corpo inteiro).

 

*

 

Por um incrível e acaso fortuito

tive oportunidade de copular uma bela vizinha

cujo esposo viajou e cuja porta do apartamento

se fechou languida e hesitantemente,

não bateu rápida e vigorosamente

à minha despedida no átrio

depois de entregar-lhe o saco de compras

que cordialmente me ofereci para transportar.   

 

É uma dama que amorosamente sigo há muito

há anos que espio sua beleza e formas

e estou feliz por isto se ter dado   

como se a porta fechar demoradamente

confirmasse minhas suspeitas

de que seu corpo tinha algo a gritar e a confessar-me

fosse a prova que faltasse para a deter, amarrar e confrontá-la

com o crime flagrante do seu amor

 

e beleza.

 

*

 

O que um Povo diz não é sagrado.

 

O Norte é onde há os melhores Povos –

os melhores Povos são de lá;

Um Povo deve ser açoitado regularmente;

Um Povo quer festa e churrasco;

Um Povo diz aleivosias e indecências;

Um povo é indecoroso;

Um Povo produz apenas folclore;

Um Povo gosta que lhe contem anedotas

mas não é capaz de as inventar;

Um Povo quer divertir-se e farra pela noite dentro;

Um Povo sabe nada;

Um povo inventa tradições;

Um Povo não quer trabalhar;

Um povo ameaça com violência;

Um Povo é um bruto e escarra para o chão;

Um povo não faz a barba há três dias;

Um Povo bebe aguardente e arrota no fim;

Um Povo copula e não sabe amar;

Um povo é infame e ignóbil;

Um povo acobarda-se e não tem honra;

Um povo agacha-se quando se descobre a verdade;

Um povo é manhoso;

Um Povo não se sabe comportar:

Um povo é um ordinário:

Um povo é parvo e insensível;

Um Povo é um ser ridículo e mal vestido;

Um Povo baba-se todo e não lê livros;

Um Povo não sabe o que diz;

Um Povo é um porco malcheiroso;

Um povo não faz mal a ninguém;

Um Povo não sabe nada de História;

Um Povo casa-se por herança;

Um povo devia ser posto no olho da rua

 

do seu país;

 

*

 

Aquele homem ama uma mulher de fartos seios!    

Outro, a seu lado, mentalmente, uma de seios menores!

Quem ama mais ou o vencedor,

e possui a bela?

Quem asfixiado por abundância de carne

ou excesso de ar sucumbe entre as carnes?

Ergo vasos por cada resposta dada!

Será a mulher uma rifa que nos sai ao casar

ou o casamento uma lotaria que sorteia seios,

- um jogo de cama viciado por Deus,

antes de começar?


E o amor: uma medida ou espaço

que tenho a me adaptar?

*

 

A cópula da alta dama,

o acesso ao seu corrupto e soberano leito

obriga, exige, a redacão de um complexo acordo;

A contratação de severos advogados e tabeliões

o pagamento de avultados pecúlios;

valiosas garantias serão igualmente exigidas

em nome dos poderosos magnatas do amor,

 

os únicos que poderão cobrir tão altas condições

como a contratação de uma Diva

célebre artista da amorosa temporada

primeira figura amorosa da perversão

contratada para atuar na teatro privativo

 

de sumptuosas vidas.

 

*

 

O fino tronco que te estrutura;

as vastas ancas que te abraçam;

as altas pernas que te erigem;

as amplas coxas que te violam;

os agudos pés que te punem;

os negros cabelos que te velam;

os suaves seios que te tocam;

os doces mamilos que te vigiam;

os delgados braços que te amam;

o duro peito que te ecoa;

o raro umbigo que te mostra;

o negro púbis que te acolhe;

as quentes carnes que te admiram;

as frescas nádegas que te suam;

os sedosos lábios que te clamam;

a ágil língua que te entoa;

as sobrancelhas que te evocam;

o nobre nariz que se afiloca;

as planas costas que te avistam;

a ténue boca que te canta

os polidos ombros que te beijam;

o sonoro riso que te estala;

os vivos olhos que te abençoam;

o novo marfim que te enriquece;

 

o profano ser que te extasia.

 

*

 

Quando piso o chão que varres                                            

ou  fito o vão que vences,

espreito e lanço o laço

às pernas que utilizas

dessa vida asseada,

labuta desgarrada,

perna rija, musculada,

forte, dura e bem trabalhada;

 

estrutura descarnada

onde se prende bem um laço,

se possível, perto do melaço,

irmão gémeo do regaço

que já de pé o entrevia

e o revejo agora, aqui debaixo…,

lácteo, rijo e baço

lá no alto suspendido,

como um contrapeso vivo

balançando numa grua

ou um enforcado de rua...

 

ainda espero que um brunido

o desprenda e caia

sobre os meus braços e umbigo.

 

«- Pobre visionário aturdido:

não vagueies pelo nada.-»

 

*

 

Uma jovem mãe observa fixamente a sua cria;               

 

Persegue nos puros contornos da pele

Indícios perversos do vil acto que a gerou,

as cambalhotas de sexo ou decisivo gesto obsceno 

que produziu, finalmente, tão límpido e transparente ser.

 

Bate o pueril corpo com a mente,

Qual campónio que perdesse uma rês,

ou usa da astúcia de um detective,

aguça, em vão, o olhar de águia maternal.

 

Mas, desiste por fim,

reconhece resignada que Deus tudo alisa com mão suave,

todas as marcas de humanidade aplana,

 

como vestígios de amor em celeiro

pegadas de banhistas no areal.

 

*

 

Uns meninos corriam atrás da rata,

outros arfavam a armar-lhe a trapa

para descobrirem que menina

perdido teria havido aquela exacta

e não outra tal que por lá corria,

mas que de menina, certamente, não seria

por ser larga, vasta, cor de prata,

logo, de mulher velha e vaca,

e a outra nova, bela e sadia,

de donzela fina … e luzia.

 

Quem a descobriria, que prémio haveria?

beijar precisamente a dita exacta,

que minutos antes havia dessa data

desprevenidamente ao dormir lhe fugiria,

mas que agora já colocada estava a rata

(pois fora finalmente encontrada a dita)

no local de onde nunca a marota

dever ter saído lhe haveria.

 

Logo jurou então a menina

que após o memoravel dia,

mesmo se ter fodido havia,

e enquanto repousasse da folia

a dita rata jamais lhe fugiria,

pois com um delgado fio atá-la-ia,

à cintura fina e esguia prendê-la-ia,

e assim de tal forma seria

que era novamente como se nada teria.

 

*

 Sexo é uma saída nocturna, à revelia do mestre                              

em busca de mulher para cópula.                        

 

Por Deus nos ter proibido de lidar com as mulheres,

e estas serem muito sensuais,

de grossos lábios e formas arredondadas

e sempre pretenderem nos transportar para a galantearia.

 

Mas Deus não gosta das mulheres

já está velho e louco e, por vezes, não sabe o que diz.

 

Além disso, não deixaremos de nos divertir

apenas porque um velho deus nos reprime,

 

mas, ao fim, tudo perdoa.

 

*

  

Como amoroso alvo procuro a obscena cruz

no centro da beleza feminina

onde mentalmente a pretendo atingir

 

Para lá aponto a mira do falo.

 

Entretanto, de carabina em riste

Executo os primeiros ataques da amorosa batalha

investidas e rajadas que falham clamorosamente o alvo

e apenas atingem a mente,

tangencial-mente

 

retiro estrategicamente para recobro

e reinvisto esgueirando-me sorrateiramente pelos flancos

entre mato rasteiro, tomo novamente a direção da beleza,

e, à queima-corpo, fuzilo-a finalmente

a sangue-quente

 

no c(u)ração do amor.

 

 

Por vezes na quotidiana lida

um movimento brusco um gesto perdido

um bracejamento repentino ou acidental queda

fazem gozar involuntariamente

profanar ainda que levemente

regiões interditas da mulher

 

após intensa disputa das partes

instruído o caso em competente juízo

argumentos derimidos entre famílias e clãs

a sentença ordena a copula como amorosa pena

 

os cientes tribunos determinam o sexo

como indemnização do fortuito amor

uma entrevista intima entre os litigantes

a violenta consumação química como redençao

e justo ressarcimento da beleza profanada

 

 *

 

A mulher informa o idoso pai

que ela e a jovem irmã estão disponíveis

para substituir amorosamente a mãe falecida

 

sempre que o pai precise de beleza ou fêmea para copular

esta não lhe será negada

ou terá de recorrer a serviços amorosos externos

que lhe sairão certamente onerosos

 

dispensável empresa quando possui tanta sensualidade e beleza na prole

quando a casa é prolixa em carne, formas e lubricidade

(e espaço entre formas)

onde o pai se pode prontamente cevar

 

que rapidamente responderão ao seu mais discreto

e malicioso desejo

 

 *

 

Em laboriosa oficina

suspendamos temporariamente o cravamento,

a aplicação lugubre de pregos e espetos

perante a chegada de excelsas damas

que veem informar-se sobre o estado de fabricação

acompanhar a execução de requintada peça encomendada

 

concluída  a visita

conduzamos educadamente damas e donzelas

para o confortável aposento da receção

restando apenas na tumultuosa nave

as servas e mulheres mais rudes

acostumadas à promiscuidade do amor

para assistirem a essa indelicada operação

 

Seria uma enorme grosseria

Cravar ferragens e espetos diante de uma esbelta dama

pois metaforicamente poderia supor que propomos tomá-la por peça

a adornar suavemente e cortejar para replicar mais tarde a falo

semelhante e obscena operação

 

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